Chegara ao prédio da assembleia
aproximadamente às 3:45 da tarde. Logo ao adentrar o local de suma importância
para o bem público, foi ao encontro do balcão de informações no saguão central.
A moça que lhe atendera, muito solícita, mostrou-lhe com o dedo indicador à
direção aos dois elevadores daquela instituição.
Senhor H. correu desesperadamente
rumo aos tais elevadores a fim de alcançar uma mulher alta, cerca de 40 anos, a
qual se encontrava com duas garotas pré-adolescentes. O ‘boa tarde’ dele fora
correspondido apenas com um balançar de cabeça e um sorriso tímido da tal
mulher. De cabeça baixa, respirando profundamente e desejando findar aqueles
minutos eternos, reparou que a mulher vestia um jeans justo com sandálias
marrons. Antes, porém, apertou tão vorazmente no botão do 4° andar que quase
atropelou as mãos da mulher que se assustara com tal voracidade. Aliviou-se
quando viu a mulher aperta o botão do 11°.
Adquirira um trauma aos 7, 8 anos
aproximadamente quando ficara preso em um elevador com sua mãe e outras
pessoas. Sentira tanto medo, que chegou
a ter difteria braba. Na hora, no ato. Desde então, apresentava um extremo
temor ao ter que adentrar um elevador. Só entrava em um se fosse com alguém,
mesmo que desconhecido.
De susto, saltou quase que aos
pulos no andar desejado sem ao menos esperar a abertura total das portas
eletrônicas. Por sorte, pulou quase defronte do destino pretendido. Buscaria ali
apenas um documento que comprovasse não pertencer ao quadro de funcionários
públicos da assembleia.
Com documento em mãos, ao sair da
tal sala, lembrou-se do elevador. Sentiu um calafrio subir a sua coluna
cervical. De frente das portas de sua agonia, ainda lembrou a recomendação da
atendente do saguão de que não havia escadas. Quão fácil seria ter escadas, pensou.
Respirou fundo, olhou para os lados, criou coragem. Recuou. Mas umas
olhadinhas. De repente, vozes... Dois funcionários viam dos corredores. Estou
salvo. Os calafrios retornavam e agora com certas contrações estomacais ao ver
os dois transeuntes passarem por ele e adentrarem em uma sala qualquer daquele
andar.
Olhou firme para as portas, criou
coragem, apertou o botão de descer... Esperou
atentamente os números descerem 9... 8...7...
Arregalou os olhos quando as portas abriram. Facilmente, viu que lutaria
sozinho contra aquela aflição. Agora nem uma mulher, nem duas garotas. Nada.
Ninguém. Nem mesmo sandálias marrons, pretas, vermelhas... Só ele. Desistiu.
Fitou as portas. Novamente olhou
para os lados a fim de certifica-se de que ninguém veria tal aberração. Apertou
novamente o botão. Agora não mais observava os números... Baixou a cabeça e
começou a rezar. Ao ouvir o som da abertura das portas, abriu primeiro a
pálpebra direita , o suor pingava de sua face. Novamente ninguém. Estou sem
sorte mesmo, pensou. Deixou as portas
fecharem e agora se sentia um verdadeiro imbecil. Sem saber mais o que fazer,
ficou lá, parado, atônico. Começou a andar de um lado por outro. De repente,
viu sair de sala que entrara para buscar o tal documento outro funcionário.
Este fitou-lhe com ar de curiosidade. Seria o funcionário que lhe atendera ou
um dos transeuntes que há pouco passara por ele?. A ideia de imbecilidade
consumara-se de vez em sua mente diante da dúvida. Sem ter o quê dizer, perguntou
se os elevadores estavam funcionando.
Como percebera que ninguém viria
salvar-lhe daquela horrenda situação, resolveu jogar a Deus. Apertou o botão...
Desta vez, entrou. Apertou a botão que lhe levaria ao paraíso. Fechou os olhos
para não ver as portas fecharem. Ao ouvir o barulho, percebera que enfim estava
dentro. “Ai meu Deus”, não sabia se tinha gritado ou apenas pensado. As pernas
começaram a tremer, a camisa verde gola-polo pregava-se ao seu corpo tamanho
era sua transpiração. Contrações estomacais... Calafrios... Tontura. E MAIS
CONTRAÇÕES. Começou a pensar em como se
limparia caso chegasse às vias de fato. Usaria o documento que fora buscar se
fosse preciso para limpar a bunda. De repente, sentira um odor fedido. Ai meu
Deus do céu, estou todo cagado, agora tinha certeza que a oração não ficara só
na mente. Começou a pensar na bosta descendo pelas pernas, sujando a bermuda
folgada. Os tocos de bosta emporcalhando o elevador, o rastro de merda deixando
o corpo do senhor H. e enfeitando o saguão de um marrom bombom fedido. O cheiro
fétido entupindo as narinas do povo. As pessoas dizendo: “cagão, cagão...”. A
vergonha invadiu seu coração. Ainda pensou nos filhos vendo-o todo borrado de
bosta, os vizinhos apontando-o, a esposa pondo os dedos no nariz para não
respirar gotículas de cocô.
De repente, ouviu novamente
barulho das portas, dessa vez, para liberdade. Abriu os olhos, saltou de volta
ao saguão. Largou um sorriso aliviado. Antes de sair do prédio, porém, lembrou-se
de agradecer a atendente, deixando seus olhos passearem discretamente pelo
caminho percorrido até a porta de vidro que dava acesso a saída a fim de
constatar que não tinha fezes no chão. Agradeceu a Deus não ter cagado tudo. Em
casa, sentou-se no sofá, fechou os olhos e pensou em tudo que havia passado.
No outro dia, ao lavar as roupas
da família, Helena, sua esposa, encontrou as roupas usadas pelo marido no dia
anterior no fundo do balde, dentro de saco plástico. A esposa, as gargalhadas,
gritou do quintal onde havia uma pia velha: “Meu bem, anda brincando com bosta depois
de velho? Seu cagão”.
Parabéns pelos textos, vale apena ler cada um, são muito profundos e verdadeiros. Amei todos!
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