quarta-feira, 29 de abril de 2015

O Elevador


Chegara ao prédio da assembleia aproximadamente às 3:45 da tarde. Logo ao adentrar o local de suma importância para o bem público, foi ao encontro do balcão de informações no saguão central. A moça que lhe atendera, muito solícita, mostrou-lhe com o dedo indicador à direção aos dois elevadores daquela instituição.
Senhor H. correu desesperadamente rumo aos tais elevadores a fim de alcançar uma mulher alta, cerca de 40 anos, a qual se encontrava com duas garotas pré-adolescentes. O ‘boa tarde’ dele fora correspondido apenas com um balançar de cabeça e um sorriso tímido da tal mulher. De cabeça baixa, respirando profundamente e desejando findar aqueles minutos eternos, reparou que a mulher vestia um jeans justo com sandálias marrons. Antes, porém, apertou tão vorazmente no botão do 4° andar que quase atropelou as mãos da mulher que se assustara com tal voracidade. Aliviou-se quando viu a mulher aperta o botão do 11°.
Adquirira um trauma aos 7, 8 anos aproximadamente quando ficara preso em um elevador com sua mãe e outras pessoas.  Sentira tanto medo, que chegou a ter difteria braba. Na hora, no ato. Desde então, apresentava um extremo temor ao ter que adentrar um elevador. Só entrava em um se fosse com alguém, mesmo que desconhecido.
De susto, saltou quase que aos pulos no andar desejado sem ao menos esperar a abertura total das portas eletrônicas. Por sorte, pulou quase defronte do destino pretendido. Buscaria ali apenas um documento que comprovasse não pertencer ao quadro de funcionários públicos da assembleia.
Com documento em mãos, ao sair da tal sala, lembrou-se do elevador. Sentiu um calafrio subir a sua coluna cervical. De frente das portas de sua agonia, ainda lembrou a recomendação da atendente do saguão de que não havia escadas. Quão fácil seria ter escadas, pensou. Respirou fundo, olhou para os lados, criou coragem. Recuou. Mas umas olhadinhas. De repente, vozes... Dois funcionários viam dos corredores. Estou salvo. Os calafrios retornavam e agora com certas contrações estomacais ao ver os dois transeuntes passarem por ele e adentrarem em uma sala qualquer daquele andar. 
Olhou firme para as portas, criou coragem, apertou o botão de descer...  Esperou atentamente os números descerem 9... 8...7...  Arregalou os olhos quando as portas abriram. Facilmente, viu que lutaria sozinho contra aquela aflição. Agora nem uma mulher, nem duas garotas. Nada. Ninguém. Nem mesmo sandálias marrons, pretas, vermelhas... Só ele. Desistiu.
Fitou as portas. Novamente olhou para os lados a fim de certifica-se de que ninguém veria tal aberração. Apertou novamente o botão. Agora não mais observava os números... Baixou a cabeça e começou a rezar. Ao ouvir o som da abertura das portas, abriu primeiro a pálpebra direita , o suor pingava de sua face. Novamente ninguém. Estou sem sorte mesmo, pensou.  Deixou as portas fecharem e agora se sentia um verdadeiro imbecil. Sem saber mais o que fazer, ficou lá, parado, atônico. Começou a andar de um lado por outro. De repente, viu sair de sala que entrara para buscar o tal documento outro funcionário. Este fitou-lhe com ar de curiosidade. Seria o funcionário que lhe atendera ou um dos transeuntes que há pouco passara por ele?. A ideia de imbecilidade consumara-se de vez em sua mente diante da dúvida. Sem ter o quê dizer, perguntou se os elevadores estavam funcionando.   

Como percebera que ninguém viria salvar-lhe daquela horrenda situação, resolveu jogar a Deus. Apertou o botão... Desta vez, entrou. Apertou a botão que lhe levaria ao paraíso. Fechou os olhos para não ver as portas fecharem. Ao ouvir o barulho, percebera que enfim estava dentro. “Ai meu Deus”, não sabia se tinha gritado ou apenas pensado. As pernas começaram a tremer, a camisa verde gola-polo pregava-se ao seu corpo tamanho era sua transpiração. Contrações estomacais... Calafrios... Tontura. E MAIS CONTRAÇÕES.  Começou a pensar em como se limparia caso chegasse às vias de fato. Usaria o documento que fora buscar se fosse preciso para limpar a bunda. De repente, sentira um odor fedido. Ai meu Deus do céu, estou todo cagado, agora tinha certeza que a oração não ficara só na mente. Começou a pensar na bosta descendo pelas pernas, sujando a bermuda folgada. Os tocos de bosta emporcalhando o elevador, o rastro de merda deixando o corpo do senhor H. e enfeitando o saguão de um marrom bombom fedido. O cheiro fétido entupindo as narinas do povo. As pessoas dizendo: “cagão, cagão...”. A vergonha invadiu seu coração. Ainda pensou nos filhos vendo-o todo borrado de bosta, os vizinhos apontando-o, a esposa pondo os dedos no nariz para não respirar gotículas de cocô.
De repente, ouviu novamente barulho das portas, dessa vez, para liberdade. Abriu os olhos, saltou de volta ao saguão. Largou um sorriso aliviado. Antes de sair do prédio, porém, lembrou-se de agradecer a atendente, deixando seus olhos passearem discretamente pelo caminho percorrido até a porta de vidro que dava acesso a saída a fim de constatar que não tinha fezes no chão. Agradeceu a Deus não ter cagado tudo. Em casa, sentou-se no sofá, fechou os olhos e pensou em tudo que havia passado.  

No outro dia, ao lavar as roupas da família, Helena, sua esposa, encontrou as roupas usadas pelo marido no dia anterior no fundo do balde, dentro de saco plástico. A esposa, as gargalhadas, gritou do quintal onde havia uma pia velha: “Meu bem, anda brincando com bosta depois de velho? Seu cagão”.

Um comentário:

  1. Parabéns pelos textos, vale apena ler cada um, são muito profundos e verdadeiros. Amei todos!

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