domingo, 26 de abril de 2015

Defronte ao mar de Iparana


Deitado em uma rede, defronte ao mar de Iparana, rememoro em flashes recortados a imagem que vi em uma sexta-feira qualquer. Estava eu dentro de uma sardinha de aço, ferro e plástico que comumente chamamos de automóvel quando de repente me deparei, após parar o carro em um semáforo para pedestres, com um grupo de homens, principalmente velhinhos, dispostos em círculo irregular no canteiro central de uma das principais avenidas de nossa terra alencarina. 
Assim, na diminuta escala de tempo entre o fechar-abrir do tal semáforo, pude observar que os homens jogavam gamão o que de prontidão me trouxe na mente um dos contos do mestre cearense Moreira Campos. Ao bem da verdade que tal quadro não passara de mera criação poética de minha cabeça tupiniquim. Na verdade, os velhinhos jogavam dominó. Um dominó vermelho-sangue disposto em uma tábua fincada entre as pernas dos jogadores da hora. O teor de seriedade somadas as “pequenas” quantias de moedas e cédulas ao lado da horizontalidade das peças sugeriram as possíveis apostas naquela poética reunião matinal. Alguns balançavam a cabeça negativamente como se dissessem que alguém cometara um erro fatal ao jogo e, assim, seria penalizado. Outros apenas olhavam atentamente as manobras dos jogadores. De repente, um dos transeuntes para, balbucia algo, olha o relógio e se vai com um saco fino e branco nas mãos com a “mistura” do almoço.   
Acordo desta letargia com uma buzina frenética de um carro atrás do meu. Passo a primeira e me vou. Dentro do carro, penso naquela cena de há pouco. Quantas histórias entrecortam cada jogada, quantos causos embalam àquela celebração “amigal”, quantos dramas, quantas dores e venturas daqueles homens são compartilhadas. A perda de um ente querido, o filho que casou e que raramente faz uma visita, a amada de juventude que não pôde segui-los nesta estrada labiríntica que é a vida, a falta de estudo, pois por alguma razão tiveram que se evadir da escola e trabalharem para ajudar no sustento do lar, a conta de energia atrasada, a filha adolescente e seminua que anda a dar trabalho, o minguado dinheirinho de cada mês de meu Deus que não supri nem de longe as necessidades familiares, a falta constante do remédio para diabetes ou “pressão alta”, a aposentadoria surrada pela inflação, os resultados das últimas partidas de futebol...
Quantas cousas imagino que rodearam as conversas daqueles homens, naquela manhã, naquele canteiro central.  Penso, entre goles de café, na situação dos idosos da nação brasileira. Penso o quão é indigno o trato que governo (e as pessoas) oferece àqueles que tanto contribuíram para a economia e para construção dessa pátria. E assim, irremediavelmente, penso em como será (se chegar) minha velhice. Como estará nosso Brasil?. Respeitará os direitos constitucionais de nossos idosos?. Veremos às pessoas nos coletivos sentadas nos assentos preferenciais, disfarçando que não estão vendo idosos em pé?. Ou veremos às pessoas nas filas de banco ou lotéricas de “cara fechada” ao verem idosos se aproximando?. Assim, defronte ao mar de Iparana, fecho meus olhos, abro meu coração, dou um leve sorriso e tiro meu chapéu àqueles velhinhos guerreiros daquele canteiro central de uma sexta-feira qualquer.

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