Deitado em uma rede, defronte ao mar de
Iparana, rememoro em flashes
recortados a imagem que vi em uma sexta-feira qualquer. Estava eu dentro de uma
sardinha de aço, ferro e plástico que comumente chamamos de automóvel quando de
repente me deparei, após parar o carro em um semáforo para pedestres, com um
grupo de homens, principalmente velhinhos, dispostos em círculo irregular no
canteiro central de uma das principais avenidas de nossa terra alencarina.
Assim, na diminuta escala de tempo entre o
fechar-abrir do tal semáforo, pude observar que os homens jogavam gamão o que
de prontidão me trouxe na mente um dos contos do mestre cearense Moreira
Campos. Ao bem da verdade que tal quadro não passara de mera criação poética de
minha cabeça tupiniquim. Na verdade, os velhinhos jogavam dominó. Um dominó
vermelho-sangue disposto em uma tábua fincada entre as pernas dos jogadores da
hora. O teor de seriedade somadas as “pequenas” quantias de moedas e cédulas ao
lado da horizontalidade das peças sugeriram as possíveis apostas naquela
poética reunião matinal. Alguns balançavam a cabeça negativamente como se
dissessem que alguém cometara um erro fatal ao jogo e, assim, seria penalizado.
Outros apenas olhavam atentamente as manobras dos jogadores. De repente, um dos
transeuntes para, balbucia algo, olha o relógio e se vai com um saco fino e
branco nas mãos com a “mistura” do almoço.
Acordo desta letargia com uma buzina frenética
de um carro atrás do meu. Passo a primeira e me vou. Dentro do carro, penso
naquela cena de há pouco. Quantas histórias entrecortam cada jogada, quantos
causos embalam àquela celebração “amigal”, quantos dramas, quantas dores e
venturas daqueles homens são compartilhadas. A perda de um ente querido, o
filho que casou e que raramente faz uma visita, a amada de juventude que não pôde
segui-los nesta estrada labiríntica que é a vida, a falta de estudo, pois por
alguma razão tiveram que se evadir da escola e trabalharem para ajudar no
sustento do lar, a conta de energia atrasada, a filha adolescente e seminua que
anda a dar trabalho, o minguado dinheirinho de cada mês de meu Deus que não
supri nem de longe as necessidades familiares, a falta constante do remédio
para diabetes ou “pressão alta”, a aposentadoria surrada pela inflação, os
resultados das últimas partidas de futebol...
Quantas cousas imagino que rodearam as
conversas daqueles homens, naquela manhã, naquele canteiro central. Penso, entre goles de café, na situação dos
idosos da nação brasileira. Penso o quão é indigno o trato que governo (e as
pessoas) oferece àqueles que tanto contribuíram para a economia e para
construção dessa pátria. E assim, irremediavelmente, penso em como será (se
chegar) minha velhice. Como estará nosso Brasil?. Respeitará os direitos
constitucionais de nossos idosos?. Veremos às pessoas nos coletivos sentadas
nos assentos preferenciais, disfarçando que não estão vendo idosos em pé?. Ou veremos
às pessoas nas filas de banco ou lotéricas de “cara fechada” ao verem idosos se
aproximando?. Assim, defronte ao mar de Iparana, fecho meus olhos, abro meu
coração, dou um leve sorriso e tiro meu chapéu àqueles velhinhos guerreiros
daquele canteiro central de uma sexta-feira qualquer.
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