O homem chegou menos sério como de costume. Estava animado naquele sábado após sair do exaustivo expediente. Ao entrar em casa, abriu um largo sorriso desdentado para a esposa que lhe retribuiu com um ríspido baixar de pálpebras. O desdém da gorda mulher, fez com que ele deixasse sobre o "balcão americano", ainda sem reboco, um fino saco plástico no qual jazia três espetinhos: um de frango e dois de porco. No sofá rasgado das tantas mordidas de rato, os dois filhos lutavam pelo controle remoto. O homem balbuciou algo que em nada chamou atenção. Seguiu pelo corredor, antes, porém, observou que sua companheira lambia os gordurosos dedos, limpando-os, em seguida, na blusa azul desbotada.
No quarto, ainda lhe sobrou tempo para ler o papel amarelo de ameaça. Um taciturno pensar, antes de retirar do bolso da calça jeans, lavada de graxa, um bilhete com "jogo do bicho" e, deixá-lo sobre a penteadeira empoeirada e envelhecida pelo tempo. De repente, de súbito, o estrondo final. No chão, seu corpo, já sem vida, dividia espaço com a arma enferrujada herdada de seu pai.
Entre pausas e vírgulas
Olá, personas. Este espaço foi o caminho que encontrei a fim de divulgar meus textos. Tentativa amigável de garimpar leitores, maior joia daqueles que escrevem. Contos, crônicas, poemas e capítulos de romances estarão nesta PAUSAS E VÍRGULAS.. Tudo original. Espero que se deleitem com os textos. Teremos uns aperitivos, como a fotografia, a pintura, entretanto, a literatura, aqui, será o prato principal. Devorem-na. Apreciem. E desde já, obrigado pelo presteza da leitura.
terça-feira, 10 de novembro de 2015
domingo, 4 de outubro de 2015
O porta-retrato azul
Todos os dias e, quase sempre no mesmo horário, Tania
colocava a água para ferver. Sabia que o filho adorava tomar café quando
chegava da universidade. Distração boa depois das obrigações diurnas.
Recém-ingresso em economia, ainda não se habituara por completo a nova rotina. Diariamente,
ele acordava às 09h30min da manhã. Daí, as ações eram metricamente calculadas a
fim de evitar atrasos quanto à condução da tarde que cotidianamente tomava para
chegar ao curso. Orgulhosa, Tania acordava antes do filho e preparava-lhe o
desjejum.
“a benção, mãe”.
“Deus te acompanhe meu filho”
E, assim, despediam-se momentaneamente.
Depois de abençoá-lo, Tania fazia os afazeres domésticos mais
pesados que não eram poucos. Embora fosse
modesta a casa onde morava com o único filho, o trabalho era árduo. Seis
cômodos apenas: sala, dois quartos, cozinha, banheiro e uma pequena despensa na
qual acomodava a velha máquina de lavar. Mesmo assim, Tania exauria suas
energias com o trato do lar. Não trabalhava fora. Vivia da pensão do Estado,
deixado pelo marido, um policial militar, morto após salvar uma moça de uma
tentativa de assalto. Não resistiu aos
três tiros que levou quando voltava para casa após o seu turno. Dias difíceis.
Tania começou a lavar roupa para madames, fazer faxinas em casa de família mais
abastadas. Vira-se como podia. Havia uma cria para alimentar. Tempos difíceis
àqueles que só melhoraram quando saiu o benefício social que lhe garantia a tão
almejada pensão do governo.
Verdade que a
matriarca cochilava após o almoço, despertando aproximadamente às 15h00min. Uma
última garimpada na casa, um pano úmido da mesa a fim de expulsar as moscas que
teimavam em sobrevoá-la eram as ações quase que automáticas. Após passar o tão desejado café que o filho
tanto gostava, ela sentava no velho sofá revestido de uma manta igualmente
gasta e, esperava-o. Olhava para o
relógio que há tempos fora fincado na parede da cozinha. Pedro, o filho,
chamava-o de Big Bem, com M mesmo. Uma nítida referência ao famoso relógio inglês. O cuidado
excessivo para com o filho veio justamente de tê-lo como família. Desde morte
do pai, transformou-se como a unívoca figura masculina naquela casa e companhia
inseparável da mãe. Apoiavam-no um ao outro.
Quando de algum atraso do filho, Tania já se desesperava,
saindo constantemente, dando voltas na calçada numa tentativa vã de diminuir a
aflição. Seu penar só lhe cessava os tremores das pernas quando o via dobrando
à direita da Rua André Breton. Nesses
momentos, muitas das vezes, não se continha, indo, assim, ao seu encontro. Já
dispostos na redonda mesa de quatro lugares, solviam o saboroso café juntamente
com alguns biscoitos amanteigados que eram cuidadosamente colocados dentro de
um bote de vidro.
Assim, em estado de comunhão e amizade, permaneciam.
Conversavam sobre tudo. Minutos sagrados para ambos. Desfrutavam ao máximo.
Momento tão esperado do dia. Certa tarde, quando ele falava animadamente de um
seminário bem sucedido na disciplina de história econômica geral, interrompeu
aquela habitual confraternização para que sua mãe atendesse Sonia, sua
tia. Vez por outra, Sonia visitava-os.
Encontros que se intensificaram nos últimos meses. Quase que toda tarde, nos
últimos três ou quatro meses. Eram irmãs mais chegadas desde infância. E,
melhores amigas também. Foi justamente Sonia que acobertava o namoro da irmã
mais nova quando era terminantemente proibido o encontro com algum moço que se
engraçasse pelas filhas de seu João. Pai linha dura delas.
“mulher mal falada, não casa”
Resmungava seu João quando de algum sermão em ambas.
Rememoravam essas e outras danações do tempo de meninas. Pedro se divertia as gargalhadas quando de um dia no qual sua mãe e sua tia levaram
uma tremenda surra por terem indo a uma festa no racho numa cidadezinha
circunvizinha. Tardes boas. Ficavam os
três degustando do amargo café em volto as lembranças de ambas. Assim,
passava-se o tempo.
Sonia, naquela tarde, após lavar a louça, beijou o rosto da
irmã, dando-lhe os calmantes prontamente prescritos. Ao sair, ainda lhe deixou
a promessa de volta dali a dois ou três dias. E, olhando o quarto vazio, voltou
para irmã e, disse-lhe:
“eu te amo”
E, foi-se ao encontro de seu palio fire. Chegando à sua casa,
olhou para a estante de sua sala, e, beijando um porta retrato azul, pensou na
possibilidade de passar alguns dias na casa da irmã. Ideia boa, mas longe de
materialização devido tanto ao trabalho na confecção quanto aos cuidados do lar,
com marido e com três filhos. Limitar-se-ia ao café de todas as tardes e,
rejeitando a agora longínqua ideia, devolveu o porta-retrato do sobrinho
falecido a estande e pôs a preparar a janta da família.
quinta-feira, 1 de outubro de 2015
O Necrotério
Contava-se aproximadamente às 00h15min quando ele,
apressadamente, chegou ao trabalho. 15 min atrasados do seu horário habitual.
Atuava, há exatos seis anos, no único necrotério da cidadezinha do interior
onde morava desde nascedouro. Dava-se melhor com os mortos, diziam. Ia quase que religiosamente ao ardo ofício.
De segunda a sexta, no turno da noite, labutava na higienização daqueles que já
não mais estavam. Acostumou-se àquilo. O contato direto com os mortos não o
assustava. Fascinava-se até. Não com a
morte em si, mas com as fabulações que criava ao vê-los. Muitas das vezes,
imaginava como ia à vida deles. Os projetos interrompidos, os relacionamentos
fatigados, ou imaginava, mesmo que cinicamente, as últimas relações carnais. Por vezes,
fitava-os a fim de constatar, através das faces dos falecidos, algum vestígio
que pudesse adivinhar-lhes as profissões.
“Esta tem cara de advogada, já este de policial”
Uma de suas distrações corriqueiras. Interação sem ruptura.
E, assim, ficava. Monólogo estranho. Sim. Habituou-se àquilo. Ajudava-lhe a
lidar com ela: a solidão. Às vezes, inclusive, desabafava as agruras da vida
com algum recém-chegado. Entretanto, dificilmente envolvia-se emocionalmente
com a sua matéria de trabalho. Em duas ou três ocasiões, porém, deixou-se levar
pela emoção. A primeira foi logo no início quando ainda atuava no turno diurno.
Às 14h 30 min, aproximadamente, limpou um garotinho de 6 ou 7 anos que morrera
afogado no rio de um povoado próximo, enquanto seus pais, já embriagados,
comemoravam o nada com os amigos recentes. Domingo de sol. Não se deram conta
do desaparecimento do filho caçula. Aflição, O desespero tomou a cena até a
constatação. O choro incontrolável ao avistar um rapaz forte trazendo o frágil
corpo inerte. Bracinhos sem vida. Domingo de sangue.
Em outra ocasião, chegou a chorar ao ver uma moça de
aproximadamente 20 anos, depois de ter sido espancada, estuprada e lhe
arrancado os mamilos. Selvageria. No mais, aprendeu, com o tempo, a
imparcialidade precisa durante sua jornada de 00h00mim as 6h00min da manhã.
Tudo pelo sustento do lar. Aceitara o emprego quando da sua demissão no antigo
serviço numa indústria de fabricação de produtos de higiene. O costume com
limpeza fez-lhe rapidamente se familiarizar com o ambiente do necrotério municipal.
Nunca sentiu nojo dos corpos cadavéricos que chegavam as suas mãos. Sentia
horror mesmo ao pensar num corpo enterrado sem o devido asseio. Achava o maior
do desrespeito. De fato, tinha respaldo entre os colegas de ofício. A todos lhe
agradava sua personalidade altruísta e dedicada as suas funções.
Naquela noite, porém, percebeu uma movimentação não habitual
em frente ao esbranquiçado prédio. Há tempos, não havia reforma. O repasse de
verba há meses não chegava. Parte do reboco já havia cedido, além, de haver
algumas infiltrações. Nada divulgado na mídia. Contudo, havia boatos de desvios
de verbas de algumas repartições públicas a fim de cobrir o rombo das últimas
campanhas políticas na cidade. O necrotério, óbvio, entrou na lista de desvios
de recursos.
As precariedades do local só desviaram sua atenção quando
foi chamado pelos policiais que o aguardavam desde 22hs00mim.
“O senhor pode nos acompanhar à delegacia...”
Na delegacia soube o motivo da tal interpelação. Alguém
tivera uma relação sexual com uma adolescente que morrera de traumatismo
craniano. Asco generalizado. Tornou-se o principal suspeito do crime de
necrofilia. Assim, sem recursos que lhe garantisse um advogado particular,
ficou apreendido no distrito policial onde permaneceu por dois meses até a
apuração do caso. Enquanto isso, na
cidade, instaurava o burburinho em torno do assunto. Opiniões divididas. Alguns
o defendiam veementemente, apontando-lhe as muitas qualidades éticas e morais.
Outros, contudo, davam-no tons de incertezas dados a sua excentricidade.
Numa quinta-feira de intenso calor, foi divulgado o laudo
pericial que constatou a presença de esperma dele dentro da vagina da moça.
Ele, sem nenhum esboço de arrependimento, relatou ao delegado a consumação da
necrofilia, detalhando-a com rigor detalhista. Contou que fizera sexo com a
defunta por aproximadamente uma hora. E, cinicamente, justificou-se:
“Ela já estava morta mesmo”.
Para família dela ficou a ampliação da dor.
sábado, 26 de setembro de 2015
Multiprocesso
Processo
Avesso
Digresso
Contra-verso
Engesso
Cesso
Reingresso
Ingresso
Reprocesso
Excesso
Confesso
Congresso
Recesso
Retrocesso
Atravesso
Progresso
Reverso
Desprogresso
Abcesso
Insucesso
Desavesso
Reinpresso
Verso
Café-expresso.
segunda-feira, 7 de setembro de 2015
Passagem
Os
gritos de Dona Carminha ecoavam na rua X. Uma ruazinha não asfaltada e de
‘gente boa’ como dizia seu Afonso, proprietário do só brasa, boteco de esquina e point
dos bêbados e dos moradores da vizinhança que descarregavam o cansaço de
mais um dia de trabalho duro. O papo corria solto entre a rapaziada, enquanto o
fígado era forçado a trabalhar mais intensamente a fim de metabolizar o etanol
ingerido. Os reclames do trabalho, a segunda reprovação do filho,
aborrecimentos da política, o beijo “gay” na novela, o aumento dos preços dos
produtos, os reclames das esposas. Em geral, as mesmas prosas. O só brasa era um simples boteco de
subúrbio, embora aconchegante, principalmente pela simpatia e bom humor de seu
Afonso. Vez por outra, os papos ficavam um tanto exaltados. As últimas partidas
de futebol eram responsáveis pelo aumento da testosterona entre os cachaceiros
assíduos. Exaltações que só paravam quando alguma mulher rabuda, propositalmente,
passava entre as enferrujadas cadeiras expostas na calçada. Assobios e
declarações exageradas faziam a festa no bar. De repente, uma risada
generalizada após ouvir seu Joaquim, de 65 anos, dizendo que faria miséria com
o material que há pouco atravessara seus fatigados olhos míopes.
“ O
senhor ainda lembra como faz, seu Joaquim”
Seu
Joaquim resmungava contra os gracejos e gabava-se dos seus feitos sexuais,
expondo como argumento, os treze filhos que teve. Naquele dia, porém, foi os
gritos de dona Carminha que chamaram a atenção. Em instantes, uma multidão se avolumou em
frente ao portão, orientados pela rouca voz oriunda da casa branca de dois
andares. Na rua, o contumaz das tardes transformou-se em alvoroço. Alvoroço
generalizado. Dona Rita, para desgosto de seu João, conhecido como resmungão,
lavava a calçada. Os assíduos
frequentadores degustavam, entre um gole e outro, os corações de frango
demasiadamente salgados. Pivetes jogavam bola na rua, enquanto dois vira-latas
rasgavam os sacos plásticos a fim de devorarem o resto de comidas podres.
Dona
Carminha chegou do fábrica de costura exatamente às 17:00. Entre um cumprimento
rápido a algum vizinho ou uma parada estratégica no mercadinho de seu Cosme,
levou pouquíssimos minutos. Como de costume, dirigiu-se à cozinha a fim de iniciar
à preparação do jantar. As ações seguintes, metricamente calculadas,
transcorreram normalmente, embora, dona Carminha tivesse estranhado a demora da
filha de ir ao seu encontro. No auge dos seus 16, idade na qual as garotas
despertam os feromônios masculinos, Andrea desfrutava de boa saúde e bela
desenvoltura corporal. Cursava enfermagem no ensino médio-integrado. No geral,
uma tímida garota que além de debruça-se aos estudos, costumava descer e ir ao
encontro da mãe para ajudá-la no preparo do jantar. Momento ímpar para as duas.
Ficavam lá conversando e divagando sobre como havia sido o dia. Um possível
desatino na escola, um acontecimento no mundo ou mesmo uma fofoca do bairro.
Conversavam sobre tudo. Tudo mesmo, inclusive sobre sexo.
“Está se
cuidando, não é?”
“Sim,
mamãe.”
E,
assim, as duas riam. Abraçavam-se. De fato eram as melhores amigas. Confidentes
e parceiras. Reinava entre as duas a cumplicidade.
Porém,
naquela tarde, algo estranho pairava. Sentimento de mãe não falha. Intuição. Ao
perceber a demora da filha, dona Carminha dirigiu-se ao andar de cima a fim de
tomar ciência da filha. Ao bater a porta, estranhou ainda mais o a falta de
retorno aos seus chamados.
“Andrea,
tudo bem filha?”
A tensão
ia aumentando a cada vã tentativa de comunicação com a filha. O silêncio
angustiava dona Carminha, sufocando-lhe, dificultando, assim, a respiração com
o já sôfrego pulmão encharcado de anos de nicotina. Com o passar dos minutos, o
timbre de voz aumentava, transparecendo o desespero, fazendo-lhe bater
freneticamente a porta branca do quarto. Tentou arrombá-la. Tentativa frustrada
pela falta de força. Pôs-se, então, a chorar.
Sabia que algo de anormal sucedera. De repente, ouviu passos em sua
direção. Alberto mal acabara de chegar da indústria têxtil na qual trabalhava,
rumou pelas escadas, orientado pelos socos no andar de cima. Não precisou
perguntar à esposa para compreender o que estava acontecendo. Repetiu, assim,
as ações de socar a porta. Cada vez com mais força. De tanto bater a porta, o
suor caia-lhe da testa, pingava a ponto de cola-lhe a camisa gola-polo verde ao
corpo.
“Andrea?,
Andrea?”
Resolveu,
então, arrombar a porta do quarto da filha. Feito obtido com êxito e rapidez
pela força empregada nos chutes. Aproximadamente uns cinco ou seis. O corpo
inerte. De bruços jazia.
“minha
filha, meu Deus”
O
impulso primeiro de seu Alberto foi ter de encontro da filha uma possibilidade,
mesmo remota, de vê-la com vida. Triste constatação. O corpo já sem pulso.
Sinais vitais anulados. Lembrou-se da filha criança quando da primeira vez que
a levara para ver o mar. Ela corria feliz em direção às ondas, voltando-se
desesperadamente quando elas retornavam as areias.
“papai,
papai”
Dona
Carminha, atônica, continuava debruçada ao chão. Olhava o marido com uma vaga
esperança de não ouvir o que seus sentidos já sabiam há alguns minutos. Seu
Alberto, como num gesto racional, ajuda a esposa a levantar e busca nos seus
bolsos seu aparelho celular para acelerar os procedimentos. Antes, porém,
advertiu dona Carminha para não mexer no corpo de Andrea.
Na rua,
aumentava a quantidade de curiosos a fim de saber o porquê dos gritos.
Curiosidade sanada com a chegada do carro do IML. Comoção generalizada. Andrea
de fato era uma moça querida por todos. Tanto pela educação e simpatia quanto
pela beleza. Com a partida do corpo e a recusa da família em falar, aos poucos
ia cessando o número de pessoas. No só
brasa, os frequentadores voltavam aos seus copos. Os papos agora eram
justamente a suposta causa da morte de Andrea.
“
Assassinato”
“ Roubo”
Dona
Rita, que agora não mais lavava a calçada, opinou com dona Gertrudes:
“Doença,
minha filha. A pobrezinha era muito magrinha e amarelada”
Meses
após o incidente, as pessoas ainda mantinham a curiosidade de saberem o que de
fato havia ocorrido com Andrea. O laudo dos peritos apontava para uma tentativa
de estupro e estrangulamento. As investigações indicavam para uma suposta luta
corporal entre a vítima e o algoz. De fato Andrea lutara contra o agressor. O
que mais intrigava o delegado responsável é o fato do não arrombamento da porta
de entrada da casa. Na linha de investigação estavam como suspeitos: o
ex-namorado e o próprio pai. Por falta de provas, o caso foi arquivado, embora
o delegado soubesse que o assassino entrara pela porta da frente.
Depois
de um ano, quase ninguém se lembrava do ocorrido.
No só brasa, o samba animava os
frequentadores. A vida continuava sem Andrea.
quinta-feira, 9 de julho de 2015
Indébita, o pagar da carne
Acabara de sair do banheiro. Os cabelos ainda molhados denunciavam a ducha
de há pouco. Com a sempre toalha de
seda, presente da madrinha promotora de justiça, esfregava entre as loiras madeixas, respigando as
últimas gotículas no chão branco do quarto. Com a toalha úmida, jogou-a sobre a
cama e, de súbito, começou a apalpar a rechonchuda vulva rosada. Daí, ao impulso impensado de gravar-se no
celular foi instante. O dedo indicador
da mão direita deslizava suavemente ao longo dos fios grossos de carne. Um
gélido calafrio subia-lhe da coluna cervical a nuca. Uma suave pontada no
baixo-ventre impulsionava-a intensificar os momentos. A penetração progressiva.
Cada vez mais agressiva. Os três dedos devoraram-na. Pareciam ter vida própria.
Os gemidos de prazer saiam sufocados diante da limitação dos metros quadrados
que a distanciam no quarto da irmã caçula. Vez por outra, retirava os
“amiguinhos” e, assim, batia-lhe forte sobre os fios vermelhos umas três a
quatro vezes, para só depois lhe enfiar novamente os dedos freneticamente. Gemia.
Cada vez mais. De repente, um som com uma maior amperagem. Uma breve pausa. Um
olhar sorrateiro. A porta nada alarmara. Susto contido. Mais rapidez nos
movimentos. A mão esquerda apertava-lhe os seios. Os bicos avermelhados
apontavam sua excitação.Mais gemidos. Os movimentos progrediam no compasso do
seu prazer. Gemia gemia ... sensação que antecede... Enfim, o gozo. Espessura
grossa e branca. Tirou seus dedos molhados. Um por um, ela lambia-os da unha de
tintura vermelha até o fim deles. Antes,
porém, levou o aparelho celular, testemunhal daquele monólogo, à altura da
linda face angelical. Os verdes olhos fixavam-se para câmera do smarthphone a fim de registrar sua “aventura”.
Às vezes, fechava-os por instantes, abrindo-os grandes em seguida. Olhar
provocador. Contava com seus 19, embora
aparentasse bem menos. Passava a língua
levemente nos lábios, da esquerda para direita, mordiscando os carnudos
vermelhos lábios. Umedecia-os. Delicadamente lambia as últimas gosmas
esbranquiçadas. O beijo final para câmera.
Mais provocação.
A arma do menor infrator penetrou
na súbita passagem. Constatou que não fora dessa vez. Da agonia depois, saltou
do copo com líquido cheio de sódio e cristal seus pensamentos. Lembrou-se do
aparelho que fora com o tintilar da voz infantil. Na casa da madrinha, aos choros e berros
indecifráveis, ela reavia sua privacidade expandida. Já projetava sua vida
arrematada a todos. Ideia oca tivera. Vulgarização de si. A madrinha, entre uns
goles de Contreau, rabiscava as possibilidades
a fim de munirem-se contra o porvir. Contou detalhadamente à madrinha as
agruras que havia experimentado. Até então, nunca havia pensado na problemática
social.
Ao ir à faculdade, percebera os olhares
sugestivos, os sorrisos de canto de boca ou mesmo dedos lhe apontando. De
repente, palavras desaforadas dirigidas a ela referente ao dedo indicador. Piadinhas
vorazmente destruíram-na. Desesperadamente e, ao choro, correu pelos corredores
ao estacionamento. Acordara com o
acariciar da mãe. Um susto incomunicável. Outros presságios se seguiram. No dia
do roubo, não foi à universidade na qual cursava o quarto período de publicidade.
Ausência que se repetiria por toda aquela semana. Impulsionada pela madrinha,
voltou, com bastante custo, a suas atividades cotidianas. Embora, vivenciasse o
terror. A cada sorriso uma angústia, a cada olhar a si uma interminável
aflição. Suava. A vontade iminente de ativar o aparelho lacrimal. Constava que
todas haviam visto sua nudez imprudente. Maldita ideia, pensava. Tudo mudou. O
isolamento social necessário. Não era a mesma. Sentia-se violada. Violação autorizada
por mim. Pensamentos que vieram enquanto folheava, sem nenhum interesse, uma
desatualizada revista que jazia no centro-sala da clínica de doutora Fabíola.
Estuprada virtualmente, embora não tivesse nenhuma concretude dos fatos, vivia
no invólucro de si. Protegida. Agredia a todos antes mesmo de se
aproximassem. Raros eram as ocasiões na
qual alguém rompia aquele prepúcio de exílio voluntário. Certa vez, ao ver uma
belíssima jovem se aproximar, enquanto tomava sol na área da piscina do
edifício onde morava, teve um impulso de levantar-se e ir-se antes da importuna.
Entretanto, antes que pudesse por seu plano em curso, fora interpelada com um
sorriso límpido seguido de um bom dia entusiasmado. Respondeu-lhe dissabores
antes da moça completar a enunciação. A cabeça em frangalhos a cada ida à
terapia. Sem nervos.
Um dia, quando voltara de mais
uma sessão, no banho de sempre, ao se refrescar do suor pregado no corpo, as
gotículas quentes misturavam-se com as gélidas que caiam do chuveiro.
Deslizavam, desviando-se de curso ao colidir com os pontudos mamilos rosados.
Viveria a dualidade que ela mesma provoca-lhe. Voltara a se flexionar depois de
meses.
sábado, 6 de junho de 2015
A Fotógrafa
Diante
do espelho do seu quarto, gostava de se exibir nua. Naquele grande oráculo de
vidro no qual se acostumou a examinar suas reluzentes curvas, suas alvas
nádegas em formação promissora, seu sexo rosado, exauria-se consternada com seu
narcisismo. Passava longo tempo a tecer suas finas madeixas pretas e, sempre na
pausa do pente, virava-se ao tal espelho, inclinava a face acima do ombro,
empinava-se e dava batidinhas na bunda. Gostosinha.
“
Cibele, vais se atrasar”
Cotidianamente,
acordava daquela contemplação narcisista com os chamados de Dona Margarida, sua
boníssima genitora. Jovem e bonita, Cibele era uma ótima filha. Sempre educada
e solícita com os pais. O pai, seu João, trabalhava com representação de firmas
ou coisa desse tipo. Já dona Margarida ralava em um cartório do centro da
cidade. Ambos trabalhavam fio a fio a fim de dar melhores condições de vida
para a única filha.
“ hoje é a tal entrevista?”
“ Sim
mãezinha”
“ Quer
que eu vá te deixar, minha filha?”
“ Não
precisa seu João. Já sou uma mocinha” Saiu-se rindo, antes, porém, deixou um
beijo na face de seus genitores.
Chegou
às 15:30. Uma hora antes do horário marcado. Dirigiu-se à recepção do estúdio
FOX MAGAZINE onde foi atendida e
orientada a aguardar que a chamasse. Enquanto
esperava, observou tudo que seus castanhos olhos puxados puderam apreender. A mobília
colorida, os quadros surrealistas de Dali na parede, fotografias na mesa
central, revistas sobre a história da fotografia, colagens de Andy Warhol...
“
Cibele. Cibele?
“ Ah!
Desculpe-me. Estava distraída. A moça da
recepção apenas sorriu como se dissesse que não havia problema para tal
concatenação.
“ Siga
em frente no corredor, dobre à direita. Porta azul, boa sorte”
“
Obrigada”
Trêmula,
Cibele seguiu na direção da porta na qual daqui a pouco adentraria e passaria
por uma sabatina a fim de conquistar o tão almejado primeiro estágio na área de
concentração de seus estudos: fotojornalismo.
“ Entre”
“ Boa tarde”
“ Boa
tarde, tudo bem, Cibele?
Impactante.
Essa foi a primeira imagem da mulher que lhe disparava perguntas e mais
perguntas sobre as habilidades profissionais da moça: manuseio de câmera,
domínio razoável da escrita padrão, disciplinas já cursadas na graduação...
“ Então,
cursas o 5° período de Comunicação Social...?”
Cibele
respondia com exímia prontidão a cada quesito da editora chefa da FOX, embora
observasse atentamente o batom vinho na boca carnuda de Paula. Linda. Paula, na
casa dos 27, era uma publicitária já bem encaminhada na profissão herdada da mãe.
Era sim de uma família abastada na qual vários empreendimentos consolidaram o
voluptuoso capital familiar: hotéis, pousadas, restaurantes...
A
administração dos negócios, desde o avançar temporal dos pais, ficava a cargo
dos três filhos, obedecendo a aptidão de cada um: George que estudou turismo e
gastronomia, ficou responsável pelos restaurantes, enquanto Kleber, formado justamente
em administração, encarregou-se de tocar
os hotéis e pousadas espalhadas no litoral nordestino. Assim, Paula ganhara
como presente de formatura um estúdio da família para administrá-lo. É bem da
verdade que tivera essa benesse que a possibilitou tecer e equilibrar sua vida
profissional e financeira. Entretanto, Paula tinha sim um apurado de talento e
ousadia. Ampliou os horizontes da empresa de comunicação, expandiu parcerias e,
de quebra, firmou contratos rentáveis com campanhas publicitárias para o
governo. Atualmente buscava uma nova assistente depois da demissão de Sandra
por motivos de “deficiência técnica” como a própria Paula expressaria em uma
conversa com os pais na ocasião.
Cibele
buscava desde o início de sua vida acadêmica uma oportunidade de aliar prática
a teoria. Leu o anúncio nos classificados do jornal da “promissora” vaga. Imediatamente, mandou o currículo como
mencionado no matutino. Após alguns dias, recebeu um telefonema marcando uma
entrevista.
“
Desculpe-me, eu estou...”
Não se
sentiu muito a vontade com a câmera, apesar de ter sido exímia nas disciplinas
de fotografia. A presença e, principalmente, aproximação de Paula nas suas
costas, acelerara seus batimentos cardíacos. A respiração também acelerara. A
passividade e o nervosismo de Cibele despertara um aura sensorial de prazer e
fascínio em Paula.
“ Tente
de novo, meu bem...” . Meu bem?,
estranhou.
A
graciosidade da fala somada o largo sorriso que denunciava o quão era alvos e
bem tratados a arcada dentária da publicitária, contagiaram Cibele e fizeram-na
concatenar em si uma confiança exacerbada. Desta vez, poria a cabo toda punhado
de dúvida e hesitação sobre sua
capacidade de manuseio daquela Canon...
“ Por
hoje chega. Manteremos contato em breve...”
Apenas
essa simplória frase foi ouvida por Cibele ao deixar a sala de porta azul. Para
Cibele, não fosse o sorriso largo de Paula, daria por findado ali mesmo a
esperança de obter aquele estágio. Foi justamente com outro sorriso que se
despediu.
Em casa,
à noite, como contumaz, ficou pelada de frente ao espelho. A imagem de sua
beleza quase perversa traziam-na excitação e soberba. Às vezes, depois do
banho, colocava alguma música e dançava até à exaustão, rodopiando até cair de
bruços sobre a cama. Na manhã daquele
dia, ainda nua, acordou com o despertador do smartphone ao lado do seu travesseiro. Percebeu que adormecera após
seus passos de dança da noite anterior. Ainda sonolenta, observou uma mensagem
ao desligar o irritante som do galo eletrônico. Ao ler, pulou imediatamente da
cama. Um misto de satisfação e alegria inundou-na. Imediatamente deixou aquele
estado de sonolência e meteu-se embaixo do chuveiro. Deixou-se num pensar mais
verdejante, enquanto a gélida água percorria seu corpo.
Os dois
primeiros dias foram de extremo encantamento e medo. Sempre com a solícita e
afetuosa supervisão de Paula, mostraria suas habilidades naquele período de
experiência Trabalharia ali... Pertinho.
Porta azul azul azul... Dali a uma amizade foi apenas o curto espaço de tempo
de cinco dias. Paula a convidava a almoçarem juntas. Elogia tudo de CI. Dos
negros finos fios de cabelo a roupas. Dizia que tinha se afeiçoado em demasia e
se entusiasmado de mais por Cibele. Estranhamente, Cibele rebebia os elogiosos
comentários de sua chefa com a maior naturalidade, embora estranhasse um pouco
os olhares fixos e os sorrisos açucarados.
Habituou-se
uma a outra. Geralmente, saiam juntas após expediente da empresa. Bares,
exposições de arte, cinema...vez por outra, iam a casa de ambas. Sim.
Ultrapassaram as paredes da FOX, embora não deixassem aquela repentina
aproximação paralisar os compromissos assumidos. Tinham prazo e agenda corrida.
Muitas propagandas a serem executadas. Certa vez, ao observar Paula conversando
com o gerente executivo, bateu-lhe um aperto e uma imensa vontade de chorar. A
possibilidade de não ser contratada trouxe-lhe uma inquietação.
Boca rosada, magrinha, minissaia e uma camisa
vermelha. Foi assim que chegou ao apartamento 312, no 6° andar. Recebera uma
mensagem de texto convidando-a tomar uns drinks.
Ao subir pelo elevador, estranhou ter vindo sem sutiã já que geralmente usava a
fim de avolumar um pouco mais os diminutos seios. Mal entrou, Paula, talvez de
um súbito impulso freudiano, puxou-a pelo antebraço direito e, repentinamente,
a solveu pela diminuta cintura. O beijo leve e brando. Azul azul azul...
Cibele deixara
ser usada sem nenhum esforço. Numa submissão irreconhecível. Atada. Paula
sugava seus seios com voracidade de um animal que há dias não come. Apenas
fechou os olhos, enquanto Paula passava a língua na sua esbelta barriga rumo à
vulva. Entregara-se de vez. Gemia Gemia Gemia...
Sentiu
um pouco de asco quando Paula pós sua vagina para apreciação lingual. Lambeu insegura, porém os gemidos de prazer
da publicitária a estimulou a enfiar à língua cada vez mais profunda e ligeira.
Umedecendo suavemente os dedos com a saliva, Paula enfiou a mão direita embaixo
da minissaia vermelha listrada e introduziu na linha de Vênus o dedo indicador,
depois o seu vizinho e conforme o degelo do iceberg, mais acelerado ficava o
movimento. Chupou os dedinhos dos pés Da moça um por um... Novamente o beijo
leve e brando. Voltando a devorá-la em
seguida.
Dias depois,
já havia regularizado a documentação para assinatura de contrato de trabalho, quando
recebera um envelope com as fotos retiradas no dia da entrevista. No envelope
madeira ainda havia um bilhete: ‘FICARAM BOAS’. Cibele olhou para fotos,
mastigou o chiclete no canto esquerdo da boca, sorriu e disse: “
Ficaram”. Azul azul azul...
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