terça-feira, 10 de novembro de 2015

O homem

O homem chegou menos sério como de costume. Estava animado naquele sábado após sair do exaustivo expediente. Ao entrar em casa, abriu um largo sorriso desdentado para a esposa que lhe retribuiu com um ríspido baixar de pálpebras. O desdém da gorda mulher, fez com que ele deixasse sobre o "balcão americano", ainda sem reboco, um fino saco plástico no qual jazia três espetinhos: um de frango e dois de porco. No sofá rasgado das tantas mordidas de rato, os dois filhos lutavam pelo controle remoto. O homem balbuciou algo que em nada chamou atenção. Seguiu pelo corredor, antes, porém, observou que sua companheira lambia os gordurosos dedos, limpando-os, em seguida, na blusa azul desbotada.
No quarto, ainda lhe sobrou tempo para ler o papel amarelo de ameaça. Um taciturno pensar, antes de retirar do bolso da calça jeans, lavada de graxa, um bilhete com "jogo do bicho" e, deixá-lo sobre a penteadeira empoeirada e envelhecida pelo tempo. De repente, de súbito, o estrondo final. No chão, seu corpo, já sem vida, dividia espaço com a arma enferrujada herdada de seu pai.

Nenhum comentário:

Postar um comentário